Quem sou eu

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Rio Claro, SP, Brazil
Meu nome é Mariana Gabriela Fonseca, prazer. Sou formada em Imagem e Som pela UFSCar (turma 2000 a 2003) e atualmente curso Ciências Biológicas na Unesp Rio Claro (Turma de 2007 até atualmente). Atuo como professora eventual na rede pública Estadual de ensino e tenho grande paixão pelo meu trabalho. Pretendo me formar na licenciatura e fazer pós graduação em Educação. Acredito em uma nova educação, diferente do que é hoje praticada nas escolas brasileiras. Para mim, o método de ensino em vigor é precário e obsoleto, não segue o fluxo das mudanças decorrentes de uma série de transformações sociais, econômicas, comportamentais e tecnológicas. Por isso, estou sempre procurando inovar em minhas aulas, mesmo que muitas vezes falhe e/ou caia no tradicional. Afinal, errando é que se aprende.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Da Violência

Columbine (abril/1999) – Imagens do circuito interno de segurança da escola secundária de Columbine, em Denver, nos Estados Unidos, mostram Eric Harris (esq.) e Dylan Klebold, autores dos disparos que mataram 12 estudantes e um professor, em 1999. O massacre em Columbine inspirou o documentário “Tiros em Columbine”, de Michael Moore

Há tempos que a violência na escola me desperta sentimentos que mesclam indignação, medo, surpresa e imenso interesse, o interesse curioso. De onde vem este comportamento auto-destrutivo e, não raro, impiedoso... afinal de contas, onde está o cerne disto tudo? A violência que se estampa em atos de rebeldia, beirando a rebeliões incontroláveis. Rebeliões individuais, transpassadas no olhar, na expressão, na postura, na tonalidade e nos atos em si. Bater, chutar, socar, gritar, xingar, correr. Hiperatividade destrutiva. Contra quem? A si próprio, aos colegas, ao professor, a qualquer autoridade. Na realidade, hoje pude presenciar da violência contra qualquer outro ser humano. Ano retrasado tive experiências intensas, marcantes e de certa forma desanimadoras com uma sétima série. Era estigmatizada pelos professores, corredores, funcionários, pelos próprios alunos. "Tacar o terror" era o lema de uma boa parcela de alunos da sala, o quais se uniam ao redor de alguns mais velhos e repetentes (alunos de 16 anos na sétima série) e literalmente, faziam da sala de aula um parque, do professor uma mera figura a ser desrespeitada. Lembro-me de me sentir humilhada por diversas vezes, chorava, ficava mal. Depois, veio uma fase de raiva, obviamente uma raiva contida, escondida, jamais revelada. E me pegava pensando, analisando. Entrava na sala, enchia a lousa e me sentava, esperando o tempo passar. em seguida, tentei aproximação. Com surpresa consegui justamente com o aluno-problema mor da sala. Foi mínima, mas um pouco de respeito posso dizer que conquistei, apesar de insatisfatório. Não sou uma professora de cobrar muita coisa. Sempre que conheço uma turma, deixo claro algumas coisas sobre mim, minha vida e meu modo de trabalhar. Muitas vezes, percebo retorno imediato: ao se mostrar, se apresentar e se colocar como um ser humano (sim, eles precisam ser lembrados disto), passamos a ser melhor compreendidos, menos idealizados e mais íntimos - consequentemente, mais respeitados. Digo muitas coisas e não saberia expô-las de outra maneira que como um discurso, um monólogo, enfim, como o que se segue:

Bom, primeiramente, Bom (dia/tarde/noite). Meu nome é Mariana. Antes de começarmos a falar qualquer coisa, acho importante que vocês me conheçam um pouco melhor, para saber com quem estão lidando afinal de contas né. Eu tenho 29 anos, estou me formando em Biologia aqui na Unesp Rio Claro. Quando eu tinha 17 anos, estava muito indecisa sobre o que deveria fazer da vida, e sempre estive dividida entre Ciências Biológicas e Humanas. Daí então, prestei vestubular para cursos diversos: Jornalismo na Unesp Bauru, Cinema na USP, Biologia na Unicamp e Imagem e som na UFSCar. Adivinhem só, passei em Imagem e Som. E daí fui, sem nem saber direito do que se tratava aquele curso, mas acabei gostando, era um curso "muitcho doido", envolvia artes cênicas, plásticas e cinema, com comunicação e técnico. Forte, eu diria. Mas depois que me formei, fui trabalhar e percebi que eu gostava muito daquilo, mas não na prática. Estava infeliz. Resolvi prestar Biologia aqui, passei e vim fazer. Quando entrei na Biologia, achei que fosse ser uma grande cientista, fazer pesquisas, células tronco, essas coisas todas aí. Foi então que conheci a licenciatura, a Educação. E me apaixonei. A primeira vez que pisei em uma sala de aula, soube que era aquilo que eu gostava. Então, o que quero que fique claro aqui: sou apaixonada pelo que faço, escolhi dar aulas. Não estou aqui à força, contrariada, e muito menos por dinheiro. Estou aqui porque eu quis estar aqui. E escolhi a escola pública, porque acho que é o mínimo de retorno que devo pra sociedade. Já que estudei em Universidades públicas, nada mais justo do que devolver o conhecimento, passar adiante, com quem mais precisa de professores competentes e apaixonados pelo que fazem. Sabendo disso, vou dizer como trabalho, o que espero de vocês e o que não quero ver. Estou aqui para ensinar. Não vou me estressar, nem me esforçar para ensinar o que sei. Farei o meu melhor, tentarei mesmo passar algum conteúdo importante ou que os interesse, mas não vou forçar ninguém a aprender. Isso é com vocês, com cada um. Não quer aprender, não se interessa, tá com sono, triste, cansado, de mal com a vida, estressado? Abaixa a cabeça e dorme. Coloca o foninho e curte um som na sua. Leia um livro, uma revista. Escreva, desenhe, pinte. Só não atrapalhe, não fale enquanto eu estiver falando, não fique em pé, andando pela sala, que isso atrapalha minha concentração e a de quem quer aprender. Não exijo que copiem a lição, nem que prestem atenção, apenas respeito. Estamos combinados? Ok, então vamos lá..."
Bem, o que se segue é algum conteúdo, o mais detalhado e explicativo possível, e quando alguém ou alguns fogem às regras, simplesmente me calo, encosto na lousa e observo atentamente ao que se sucede, com olhar desapontado e tenso. Em geral, 90% das vezes, funciona muito bem. Em poucos minutos percebem, desculpam-se, e a aula continua. No entanto, nem sempre é assim. E é desses momentos que estou falando. Hoje estive frente a frente a um exemplo de aluno que não sei e nem tenho a menor pista de como lidar. Para preservar a identidade, o chamarei aqui de Renato. Renato está na quinta série, e é fisicamente já um retrato estigmatizado. Baixinho, pele negra, cabelos raspados, marcas de piercing na sombrancelha, olhar efusivo. Postura autoritária, fala imperativa.Roupas largas e comportamento de total ignorância à figura do professor ou quem quer que seja que se coloque a frente. Na primeira vez que tivemos contato, foi um desastre - como era de se prever, dada a figura pintada. Não tendo notado sua presença na sala, foi só começar a falar que os problemas começaram. Não me lembro exatamente o que, nem como, mas sei que Renato em pouco tempo estava me mandando "ir tomar naquele lugar". Quando peguei a pasta para fazer a anotação, se rebelou ainda mais. Gritava, me xingava, ameaçava. Recusou-se a sair da sala. Fez complô com outros colegas, me humilhou, provocou, insultou e ameaçou de novo. Foi tão, mas tão intenso, que caí no choro ali mesmo. Ele foi levaado para fora pela inspetora, que olhou pra mim e disse: 
- Ah, o Renato... Esse daí, bem, precisa ser tratado com muito carinho, não pode bater de frente.
Fiquei com isso na cabeça, meio que indignada, pois eu nunca batera de frente. Pois bem, esse dia passou, e passaram-se alguns meses, até hoje. As aulas eram de informática e para deixar tudo ainda mais bizarro, dentro de uma sala de aula. Nada de computadores, nada de tecnologia. Apenas a boa e velha lousa. A quinta série entrou, e comecei a aula. Um site no papel, esta era a tarefa. Em pouco tempo, a bagunça se instalou. Até então, eu não havia reconhecido Renato, e nem sua "trupe". Seus amigos também poderiam ser pintados num quadro. Cabelos espetados, roupas largas, fala imperativa, muitos palavrões e inquietude. Hiperatividade destrutiva. Estavam brincando com um novelo de lã. Pedi para pararem. Uma, duas, três, quatro vezes. Com toda a educação do mundo. Por favor, cooperem, guardem isso. Não funcionou. Aí, Renato jogou o novelo de lã pelo ar, ele atravessou a sala, atingindo alguns colegas. Uma correria começou, e então me aproximei para pegar o novelo. Renato o agarrou com força, e começou logo a gritar comigo: SAI, LARGA, ISSO É MEU, NÃO VAI PEGAR NADA, FICA LONGE DE MIM. Sem pensar muito, peguei a pasta de ocorrências, comecei a anotação, chamei a representante de sala. Renato xingava. Ameaçava. De novo. Quando fui verificar o nome dele, me lembrei  de que já havia passado por aquilo. Um dejà vu ruim, a sensação de humilhação, tensão, nervosismo extremo. Dor na nuca, pressão alta - logo eu! Pedi que ele não retornasse para a sala, caso contrário, eu iria embora. Passado algum tempo, os amigos da trupe, como num milagre, resolveram me ajudar a controlar a sala. E o que se seguiu foi, aos meus olhos, quase que uma cena de filme. Fiquei observando como eles estavam agindo. Andavam de um lado para o outro na sala, com a vassoura e régua de madeira nas mãos, ameaçando quem se levantasse ou falasse. Às vezes, o aluno nem estava fazendo nada, só por estar "demorando muito" com a lição, era ameaçado a "tomar paulada". Para mim, a cena poderia muito bem ser a clássica de "Tiros em Columbine", e por alguns segundos, em minha cabeça, consegui imaginar facilmente aqueles três alunos com metralhadoras nas mãos, atirando sem pena em qualquer coisa viva à sua frente. Foi um pouco amedrontador, perturbador. E instigante. Eles causaram muito terror, de verdade. Uma menina chorou, porque um deles bateu nela com a régua de madeira. "Já apanho todo dia da minha mãe, e agora ele vem me bater também". Tristeza, desilusão. Inquietação filosófica. A situação se acalmou com o término da aula, confesso que pouco pude fazer para evitar o terrorismo ali instalado. E a partir de então, fiquei reflexiva. Algumas situações simplesmente fogem ao meu controle. Escapam de meu poder de intervir. Passo a me ver como agente passivo, sem ação, inerte. Sem voz, sem força, sem saber o que fazer ou dizer. Claro que sei que para ir a fundo na compreensão dessas crianças, preciso me embasar teoricamente. E que há muito materia por aí, tem. Este post, portanto, está sendo apenas uma introdução do que virá a ser um estudo mais detalhado de toda a psicologia, a sociologia e pedagogia envolvidos no lidar com alunos deste tipo. Estou determinada a me aprofundar. Se alguém aí, que estiver lendo, souber me indicar boas referências bibliográficas, ou contato com estudiosos do assunto, ficarei grata.

E mãos à obra.
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